O tempo veste vermelho

Não nos ensinam a lidar, com a perda.

Gostam de dizer que isso é responsabilidade do tempo. Que ele, essa entidade cósmica estranha, é o responsável por levar a tristeza embora.

Perdeu a conta de quantas vezes ouviu que "o tempo cura".

Não concorda muito, com isso. O tempo, no fim, não tem sido de muita ajuda pra você.

Ele não levou nada embora, entende? Ainda está tudo aí. Todas as suas perdas, uma coleção de cicatrizes.

Você as carrega consigo, para todos os lugares.

Fica mais fácil sim, mas não por causa do tempo. É mais uma questão de "olha, você tem que seguir em frente". O mundo não vai parar. Ironicamente, ninguém vai te oferecer um pouco de tempo.

Fica mais fácil, porque uma hora as lembranças boas brilham mais do que as ruins. Chamam mais a atenção, e o que no começo é feito apenas de dor, ganha os contornos de amor.

Você ainda ama, mesmo que o objeto desse amor não esteja mais ao seu alcance. E aí, você se apega a isso. Segura nesse amor passado, nas lembranças que pouco a pouco começam a se apagar.

Instinto de autopreservação, talvez. A mania que a nossa mente tem de tentar nos proteger daquilo que tem o potencial de nos fazer mal porque, no fim, não passamos de frágeis criaturas.

Demora.

Em alguns casos, é uma espécie de processo eterno. Um verdadeiro labirinto de idas e vindas e, é claro, nenhum de nós se lembrou de trazer uma lã colorida para marcar o caminho.

Demora. E mesmo sabendo de tudo isso, há dias como hoje. Dias em que você tá parada aí, no começo de tudo. De novo.

Tá olhando lá pra dentro, pros corredores carcomidos que lhe são ao mesmo tempo familiares e estranhos. Tem que fazer o caminho de novo. Começar tudo outra vez, mas não sabe como.

Ainda é recente. Tudo muito perto, muito fresco.

Então você para. Respira fundo e chora suas lágrimas. Deixa que tudo saia, só para descobrir que ainda há um pouco mais.

Quando volta a olhar pra frente, ele está a sua espera: o tempo veste vermelho. Está sorrindo, lhe dá as boas vindas para mais essa jornada.

Estende a mão em um convite. Um voto de confiança. O tempo diz que tudo passa, que você pode confiar porque as coisas melhoram. Mas você não acredita mais nisso. Nele.

Quando dá o primeiro passo para dentro do labirinto, o rosto molhado e o corpo trêmulo, você está sozinha.