Uma pilha de caixas

Uma vez, numa sessão de terapia, minha psicóloga da época comentou que nós, humanos, temos a tendência a compartimentar as coisas. Colocar as situações, e as pessoas ao nosso redor, em caixinhas.

“Aquela é fulana, a filha do ciclano”.

“Aquele é o Tício, que fez aquela matéria chata comigo no terceiro ano de faculdade”.

De acordo com ela, a ideia é bastante simples: tentamos encaixar o mundo em duas dimensões, tal qual uma animação 2D. Assim, mesmo as coisas mais complicadas podem, de uma forma ou de outra, serem absorvidas e entendidas pela nossa cabeça.

“Pensa nisso como guardar em caixinhas”, foi o que ela me disse aquele dia.

Recebi, também, um alerta. Que eu tomasse cuidado para não usar demais esses compartimentos. Que fizesse o exercício de me lembrar de que as pessoas são mais do que aquilo que temos a chance de ver, e que as situações, em geral, são mais complexas do que pensamos que deveriam ser.

“Cada história tem infinitas histórias por trás” e por aí vai.

Confesso: por mais que essa sessão em particular tenha me impactado, não pensei muito nas caixinhas depois de algumas semanas. A ideia ficou guardada, acho. Escondida em um cantinho da minha mente, esperando a hora de aparecer de novo e... bom, aqui estamos.

Os últimos meses não tem sido exatamente fáceis. Não diria, no entanto, que foram só dificuldades, também. Aconteceram muitas, muitas coisas boas. Minha escrita tem oscilado menos, e aquela velha ideia de escrever todo dia pra não perder a prática até que tem funcionado bem. E eu, justo a criança acostumada a passar o recreio na biblioteca, tenho me sentido menos sozinha.  

Voltei a pensar nas caixinhas, no entanto.

A perceber como, às vezes, sou diferente daquilo que as pessoas estão acostumadas a ver em mim. Ou como eu acabo por me surpreender com elas, também.

É, de certa forma, igual a escrever uma história: tem vezes em que o meu planejamento diz que é para acontecer uma certa coisa em uma certa cena, e quando chega a hora de escrever, os personagens decidem que, na verdade, tudo vai ser completamente diferente.

Percebi que, em mim, cabem muitas, muitas caixas.

Ou, talvez, seja só uma questão de que elas nem deveriam estar aqui pra começo de conversa.

O que há de errado em ser uma libriana meio caótica que se empolga com as menores coisas?  

Afinal, qual o problema em ser uma escritora umbandista que é torcedora, advogada e fã de k-pop?

Por que, mais vezes do que gostaria de contar, me deparo com situações e pessoas que, por conviverem comigo por tempo o bastante, tendem a achar que sabem tudo sobre mim? Que tem o direito de falar sobre o que eu sou ou sobre o que eu deveria ser, baseados unicamente em padrões que, por várias vezes, estavam aqui até mesmo antes de mim?

Acabo de decidir que não gosto de caixas.

Estou fazendo uma pilha com elas. Vou mandá-las embora, preciso de espaço.

Como meus personagens fizeram tantas vezes, estou decidindo que este caminho não serve pra mim.

Esse é o meu bilhete de correio. Minha etiqueta de despacho. Vou colar nas caixas mas, sinceramente? Não sei se me importo muito com onde é que elas vão parar.